quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Rio de Janeiro, Cidade Vendida

O Rio de Janeiro, a Cidade Maravilhosa, há tempos se tornou uma Cidade Partida. Agora, pode ser chamada de Rio de Janeiro, Cidade Vendida
Atualmente, esta é a forma mais simples e direta de descrevê-la: Rio, Cidade Vendida.  
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A face humana do Rio: o Centro da cidade visto do Morro dos Prazeres.
O Brasil vive momentos de alta efervescência (o que, reconheçamos, é melhor do que a pasmaceira acomodada da maior parte da nossa História...), mas toda esta indignação – que trouxe às ruas, campo de luta, e às redes sociais, boteco virtual, as mais variadas manifestações – resultou em poucas mudanças concretas. Ironicamente, pela multiplicidade de urgências do país, toda esta agitação tem ajudado a manter enrijecidas estruturas sociais, ao servir de cortina de fumaça (de gás lacrimogênio...) para velhas (mas sempre renovadas...) práticas políticas e econômicas, as que sustentam os poderosos locais e os seus associados internacionais em sua “eterna” exploração dos recursos (e nativos) locais. Enquanto os donos daqui mantém as suas posições (o Maranhão na Idade Média etc), com o luxuoso auxílio das mídias, os de fora têm ampliado ("é a globalização, estúpido!") as suas carteiras de investimentos.
No Rio, sinal verde para os pedágios e outras concessões. Foto Guina Ramos
Entre outros vantajosos negócios no Brasil, das plantations ao pré-sal, crescem (os olhos sobre) os investimentos imobiliários, agora altamente concentrados em projetos de “revitalização” urbana sempre deslumbrantes e tidos como miliardários, em torno de "ícones culturais" bancados pelo Estado. Tratando a cidade como se não fosse orgânica, posto que é habitada por seres humanos, os projetos são, objetivamente, grandes negócios, grandes peças de um jogo de tabuleiro, talvez o Monopólio...
Foi assim que a cidade do Rio de Janeiro  (e sua região metropolitana), muito bem embalada pela própria natureza, tornou-se produto em oferta global, mercadoria de luxo na vitrine do mundo, pastiche tropical de uma Barcelona idealizada pelos interesses...

Baía da Guanabara e Piscinão de Ramos
Foto Moscatelli/olhoverde - Fev/2014
Afinal, nossos políticos são porta-vozes, agenciadores ou meros gerentes desses negócios?... Na prática, assumem qualquer papel, dado que o papel que os estimula, embora verde, é maduro e farto... E são ativos, derrubando e desalojando o que e quem lhes atrapalha, que os compradores estão cobrando e os vendilhões têm que entregar logo (“Derruba rápido este elevado!”) e de forma segura (“O Brasil precisa de leis contra o terrorismo!”) o produto combinado.
A ironia é que uma venda pode atrapalhar outra... A situação das lagoas e da baía da Guanabara é deprimente, como toda hora demonstra o biólogo Mario Moscatelli, em suas severas denúncias, e isto porque, como ele diz, há um tipo de venda, no Rio de Janeiro, que é uma “indústria da degradação”, através de “empréstimos bilionários onde, sem fiscalização e com a prevaricação comendo solta, o dinheiro serve para tudo, menos para o que veio emprestado”. E, mesmo assim, não é que venderam o Rio de Janeiro como o local ideal para os Jogos Olímpicos de 2016, com “todos os esportes em uma cidade só”, inclusive os náuticos nas águas poluídas da baía da Guanabara?...
Temos, aqui no Rio, o falsamente ingênuo “método patético” do governo municipal de Paes (que reinventa o caos) e a ardilosa estratégia de fragmentação metropolitana do governo estadual de Cabral (que está na raiz dos protestos). São dinâmicas capitaneadas por políticos que, embora com índices de popularidade no fundo do poço, continuam no alto de seus cargos, insistindo nos projetos de seus patrocinadores, sem risco de impedimento por parte dos cooptados legislativos e judiciários locais.
Panamá City, prédios no Centro - foto Carlos Morales Hendry
Esta resiliência dos poderosos da vez parece não ser afetada pela grita generalizada das manifestações de rua, nem pelas críticas diretas dos comentaristas abalizados, e há muitos exemplos disso. 
Reprodução do Facebook
A professora Sonia Rabello, cuidadosa com a legislação, trouxe à pauta, em seu blog, o que acontece no Panamá (e pode acontecer aqui), a desmesurada proliferação de arranha-céus. A arquiteta Andréa Albuquerque G. Redondo, atenta observadora dos desmandos urbanos, lista extenso rol das arbitrariedades do prefeito. Outros amigos de consciência, Fábio Tergolino, Cláudia Madureira, Alcebíades Fonseca, e muitos outros, participam desta reflexão coletiva, através de seus comentários. E, no entanto, nada muda...
Louvo (e deixo com eles) a cotidiana crítica, que sustenta uma possível esperança, e fico imaginando (e me arrepio!) como as coisas ficarão, no Rio e no mundo, se tudo continuar como está... 
Sendo o futuro um horizonte de possibilidades, publiquei algumas suposições no conto “Memórias Póstumas do Rio de Janeiro” (pedindo a bênção ao premonitório Machado de Assis), do livro “2112 ...é o fim!” (encontre-o aqui), que deixo como estímulo à reflexão de quem não quer fechar os olhos para o que virá:
“Eis que uma onda internacional se espalha pelo país: acontece a Copa!... Pena que certas ondas sejam assim nebulosas... Também teve o tempo, apertando o clima, o verão se espalhando por todo o ano. E perdas pesadas, em roubos de monta, em ganhos espertos. A chapa cada vez mais quente. Armações em telas, mais fortes que redes. Eu, tudo dominado, rendido, perdi...”
(...)
“A Olimpíada durou nada, não mais que uns dias. Talvez tenha me faltado saco para seguir todas as bolas. Ou não haja mesmo espírito esportivo que aguente tal variedade de desperdício de tempo... Valeu para uns, e também nisso não há novidades. Ganharam mais, do ouro, empreiteiras, construtoras, imobiliárias... Da prata, seus políticos particulares, em lançamentos secretos. Do bronze, quem foi à praia e não deu a ela a menor bola...”
(...)
“Dei-me conta de que, de pedra a concreto, mudaram as arcadas da boca banguela da baía da Guanabara (já a aparência, em nada), esta ranzinzice de Lévi-Strauss, por Caetano, em música, relembrada. Além dos pontos que louva, Pão de Açúcar, Corcovado, agora eu tinha implantes, uma protética arquitetura de isolados prédios em terrenos de ponta, que me foram espetados, os Towers & Trades & Trumps, monumentais dentes artificiais a me morder a histórica paisagem.”
E, se a coisa continuar assim, por aí afora e adiante, parece mesmo que para o Rio, Cidade Vendidase não antes, “2112 ...é o fim!”...