quarta-feira, 27 de junho de 2012

O estupendo abraço da cidade



Fala-se muito desta especial qualidade do Rio de Janeiro, de ser uma cidade-paisagem. Nós, cariocas, íntimos da beleza, sabemos: tem tudo a ver...
Daí, surgem os problemas: a vista se acostuma e esta “normalidade” banaliza a relação, a ponto de ferir cruelmente a paisagem. Tanto que, reconheçamos (e a História não nos deixa mentir), nossos queridos gringos, em seus registros, se mostram muito mais maravilhados do que nós...

Tão impactante é a paisagem que, nestes tempos de debates ecológicos, foi o tema muito justamente escolhido para a excelente exposição “Rio Cidade-Paisagem”, da Biblioteca Nacional. Lá estão obras sobre as paisagens natural e cultural do Rio de Janeiro, em citações, mapas, livros, revistas, fotografias etc, registros das ações humanas que dominou (sempre impositiva, às vezes amorosamente) a paisagem do Rio de Janeiro.

Aterro do Flamengo e Pão de Açúcar - Aguinaldo Ramos, 2001

Entre os grandes atributos da paisagem, parte do caráter da cidade, temos o incrível envolvimento e progressiva internalização das maiores florestas urbanas do mundo, a da Tijuca e a do maciço da Pedra Branca, ainda maior.
Nunca será demais louvar este privilégio... Mais ainda porque, em grande parte, a Floresta da Tijuca foi replantada, no século XIX, pelo Major Archer e seus escravos reflorestadores, um dos maiores exemplos de recuperação ambiental de todos os tempos, e nem me lembro de outro tão grande...

E, no entanto, recebe pouco destaque outra presença ainda maior, também caracterizadora do espaço urbano do Rio de Janeiro – falo sempre da metrópole, o que somos hoje –, talvez pela velha dificuldade humana de enxergar o conjunto, por mais impressionante que seja...
É evidente que éramos uma cidade à margem da baía, mas – e este é um dado geográfico espetacular – hoje somos uma metrópole que abarca uma grande baía!
Ou “abraça”, se quisermos ser otimistas...
Quantas outras cidades do mundo envolveram e integraram à complexidade urbana uma baía deste tamanho?... Tóquio? São Francisco? Hong-Kong?...  No Brasil, temos ainda Vitória e São Luís, mas não se lhe comparam... 

Esta presença dominante é (antes de mais nada, sejamos sinceros...) um crime ecológico, nos termos dos nossos mais atuais e abrangentes temores. Fora o que há, nesta típica história carioca, de sérios crimes de malversação de fundos públicos nos projetos de controle da poluição e de recuperação da baía, sucessivamente propostos, nas últimas décadas, com financiamentos de milhões de seja lá qual for a grana... Não deixa de ser uma ironia pensar que este jogar de papel (e de dinheiro, e de conversa...) fora só serviu para aumentar a poluição local e o patrimônio de uns poucos... 

Aumenta rápido o arrojo da ocupação do entorno da baía da Guanabara. O Rio de Janeiro se expandiu pela chamada Baixada Fluminense e viu crescer, do outro lado da baía, a ex-pacata Niterói, que tem a sua própria “baixada”, da populosa São Gonçalo a Itaboraí. 


Agora, novos impulsos para um crescimento exorbitante... O Rio de Janeiro terá, no Arco Metropolitano, uma aceleradora estrada de contorno ao norte da baía, a certeza da pronta ocupação do vazio ainda restante na região que vai até a Serra do Mar. E na violenta explosão de uma supernova imposição econômica, o Comperj, a superrefinaria da Petrobras em Itaboraí, no lado leste da baía, um polo de atração para investimentos e problemas ambientais, com o previsível desarranjo das surpreendidas cidades da área, cujos planos de urbanização, até outro dia, não passavam de anúncios eleitoreiros de duvidosos asfaltamentos de ruas periféricas...

Cresce a diversidade de atividades nestas águas... O útero deste contínuo renascimento do Rio de Janeiro é a baía da Guanabara, esta massa líquida que equilibra a cidade. E que talvez seja um dos segredos do criativo humor dos cariocas, cada vez mais transpostos e transvertidos em fluminenses, mais pela metropolização do que pela fusão...
Plataformas na baía da Guanabara - Aguinaldo Ramos, 2012


Na verdade, a espiral vai mais longe e mais fundo, até o pré-sal. Afasta-se das turísticas praias do estado, espalha-se pela plataforma submarina, alcança o alto mar e, a cada anúncio oficial, se espeta mais fundo no fundo do Atlântico, retirando, em línguas gulosas, milhões de barris de petróleo, um trabalhão de formiguinha que nem o mais faminto tamanduá imaginaria... 


Afinal, será o pré-sal um presente de Natal?... Parece que o símbolo do Natal carioca, na sua cotidiana versão econômica (“é a Economia, estúpido!”, diriam os especialistas nos dois termos da expressão, os que a inventaram), está deixando de ser a psicodélica árvore que, no calor de Dezembro, flutua nas águas quase estagnadas da Lagoa... A árvore do presente, a que anuncia a felicidade de um Ano Novo cheio da mais fóssil energia, aquela que jorrará progresso em todas as direções, é a plataforma de petróleo. E já ocupa o lugar central da grande cidade do Rio de Janeiro: como um novo tipo de decoração maravilhosa para a cidade (e pano de fundo para a paciência de quem viaja nas inconstantes barcas Rio-Niterói), há agora, a toda hora, uma delas bem no meio da baía da Guanabara...

MAC, plataforma e Rio de Janeiro - Aguinaldo Ramos, 2012
As intenções e os planos podem ser discutidos, as imposições nada democráticas do poder do capital predominando, mas nada impede o movimento das coisas nem o fecho dos ciclos vitais: algum rumo este crescimento tomará... 
Se “a desigualdade é insustentável” (e quem o disse foram as federações industriais do Rio e de São Paulo, ao se posicionarem durante a Rio+20), não haverá questão ecológica mais profunda para o Rio de Janeiro do que esta, administrar a riqueza deste estupendo abraço metropolitano.
Ou, singelamente: como serão distribuídos os presentes do presente?...