sexta-feira, 3 de maio de 2013

A fragmentação das vias (e das vidas) no Rio de Janeiro Metropolitano



Na legislação brasileira há suficiente presença do conceito de “metrópole” como necessária forma de organização politico-administrativa dos grandes aglomerados urbanos. Muito bom, mas ainda estamos longe de resultados eficientes...

A característica fundamental desta recente condição metropolitana ainda é a fragmentação, dado obviamente inerente às metrópoles, que, conurbações induzidas por um grande centro urbano, desconsideram limites municipais.

A fragmentação pode ser interessante questão teórico-acadêmica, mas significa, na prática, para o cidadão, cruéis situações cotidianas. No Rio de Janeiro Metropolitano, o sofrimento na mobilidade urbana (termo da moda para “meios de transporte”) chega às raias do patético...

O lotação (e filhos) de Seu Oscar - Rio, 1952
Há, evidentemente, uma base histórica, que explica, por exemplo, a interrupção das linhas da atual SuperVia na chegada ao Centro da cidade, obra de uma época em que, na outra direção, a atual Zona Sul, não havia praticamente nada. Também é histórico o domínio das empresas de ônibus na oferta de transportes na cidade, desde os tempos em que agregaram os “lotações” particulares, e até meu pai teve um, nos anos 50... E é mais do que evidente o aumento do sofrimento dos usuários nas recentes décadas de capitalismo neoliberal, com a generalização das concessões de serviços de transporte público (barcas, trens, metrô...) às empresas privadas.

Colcha de retalhos, por D. Nylza
Os tempos passam, os lucros crescem... Hoje, no Grande Rio, a (i)mobilidade é uma colcha de retalhos, e é uma pena que não seja tão bonita como as que minha mãe fazia... Temos várias redes de transporte não integradas e rotas de viagem interrompidas por obstáculos, alguns reais, outros inventados por (des)interesses valiosos... São fragmentações que resultam em cortes na carne do povo. São extorsões, e não apenas do dinheiro, mas (mais cruelmente) do desgastado tempo do usuário...

Ponto de ônibus no Trevo das Forças Armadas
Um exemplo (quase aleatório, entre tantos) acontece a cada fim de tarde no Trevo das Forças Armadas, conjunto de viadutos por que passam fluxos de veículos de (e para) a Radial Oeste, a Av. Brasil e o Centro, onde termina o elevado da Av. Paulo de Frontin. Linhas de ônibus trazem trabalhadores da Zona Sul (via túnel Rebouças) para pontos nas estações São Cristóvão do Metrô e da SuperVia. Acabam servindo aos que precisam pegar ônibus na Av. Francisco Bicalho, em frente à antiga estação da Leopoldina, único jeito de acessar a Av. Brasil. 
Caminhada para pegar ônibus para Av. Brasil
Assim, todo fim de tarde e início de noite, sofridos passageiros, numa fila contínua, atravessam os abandonados jardins do trevo e cruzam perigosas avenidas para pegar, uns 600m além, seu segundo ônibus da jornada de volta ao lar...

Linha 2, entre Triagem e Maria da Graça
Apenas um detalhe, em um sistema de transporte repleto de “preconceitos sociais”. Este caso lembra que não há ônibus da Zona Sul para a Baixada... E também que o maior trecho do Metrô do Rio sem estações fica na Linha 2 (mais de 2km), entre Triagem e Maria da Graça, justamente onde encontramos duas das maiores favelas do Rio de Janeiro, Jacarezinho e Manguinhos. Ampliando para o conjunto dos municípios do Rio Metrópole, vemos situações irônicas como a interrupção da linha 2 do Metrô, no bairro de Pavuna, a alguns metros da divisa com São João de Meriti...

Por razões geográficas, a maior fragmentação da metrópole está na transposição da baía de Guanabara, uma considerável limitação física, radicalmente exacerbada pela organização (?) dos nossos transportes. Sobre este espaço os interesses da chamada “república empresarial” deram um dos seus mais lucrativos botes... Um intrincado (mas esperto) jogo de participações empresariais e benesses governamentais permite a um único grupo o domínio das ligações Rio-Niterói através da ponte e das barcas, o mesmo que assume agora o futuro VLT do Centro do Rio.

Enquanto isto, nos últimos anos, numa sucessão de más notícias, várias propostas foram sendo “esquecidas”. Recentemente, o ex-prefeito César Maia reconheceu as razões: “risco ao equilíbrio econômico” de concessionária, “interferência do cartel dos ônibus”...

Entre os principais prejuízos para a mobilidade, a perda (ou adiamento?):

a) do projeto de conclusão da Linha 2, entre Estácio e Carioca, seguido da sua transformação, via Central, em um “linhão”, estendido até a Barra, para maior desconforto do carioca;

b) do túnel submarino do Metrô entreRio e Niterói, proposto para ligar a Linha 2 à futura Linha 3 (Niterói-Itaboraí), com extensão de 5,5 km e custo estimado em cerca de R$ 900 milhões (menos que a reforma do Maracanã), uma conexão fundamental para a integração da Metrópole;

c) da própria construção da Linha 3 do Metrô... Até há pouco tida como certa (inclusive pelo estímulo da ativação do Comperj, em Itaboraí), já há indicações de que será substituída por uma Linha 3 em monotrilho...

O resultado destas decisões (sempre “econômicas”, em vários sentidos) é a cristalizações de novas e antigas fragmentações, com seus dramas populares...

De um lado, o Porto “Maravilha” do Rio de Janeiro (e já se prepara o de Niterói...), que se tornará uma ilha, não necessariamente de excelência... O VLT (um bonde fechado, para dar, de novo, ares europeus ao Rio) será mais útil a passeio do que a trabalho. E, como não há previsão de transporte de massa de qualidade para a área (apenas as velhas linhas de ônibus, nem o BRT...), quem vier de longe (por trem ou metrô) terá mais uma baldeação a fazer. 
É preciso passar uma nova linha de Metrô pelo Porto!... Se não, como alcançar a Gamboa-Maravilha ou a Saúde-Maravilha?... Todos com seu automóvel no engarrafamento e uma vaga de estacionamento reservada?... Para uma área que, até 2020, deve crescer de 22.000 para 100.000 habitantes, com potencial imobiliário de 50 bilhões de reais (embora haja dúvidas), o ideal é que uma nova linha de Metrô a atravesse.

Pça. XV, Rio: problema nas barcas... fila até o Paço Imperial
De outro, a não construção do túnel do metrô entre Rio e Niterói significa a manutenção de um dos mais cruéis gargalos da “mobilidade” na metrópole, além de velhos privilégios econômicos...

A massa de trabalhadores, que todo dia vai e volta de São Gonçalo ao Rio, continuará mudando de ônibus ou monotrilho para barca e de barcas para VLT ou ônibus, num lado ou outro. O custo em dinheiro até pode ser aliviado por cartões de integração, mas a fragmentação das vias continuará provocando dolorosa perda de tempo em suas vidas.
Niterói: movimento intenso no terminal de ônibus


Dinheiro, aqui, mais uma vez, é a chave... Faltando interesse no planejamento de longo prazo, a porta está fechada para a mobilidade, apesar de todo o dinheiro que circulará pela região metropolitana, com o pré-sal etc. 
E predominando  interesses empresariais parciais, com o imprescindível apoio dos governantes, o dinheiro continuará circulando em poucas mãos e mais portas ficarão fechadas para os cariocas...