segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Niterói perde a vista, e a prazo...



As esferas políticas e econômicas se intercomunicam, são construções humanas...
Os humanos das grandes empresas, com ajuda de políticos de confiança, descobriram a expansão das cidades como vantajoso negócio. No Brasil, a onda de recuperação de frentes marítimas ou fluviais (“waterfronts”), com evidente inspiração estrangeira, tornou-se vagalhão... A toda hora, empresas ardilosas e arquitetos escolados arrotam Baltimore e Barcelona sobre os subdesenvolvidos habitantes deste país de extenso litoral...

Prédio de 40 andares e a cidade tradicional
Rua da Assembléia, 10 – Rio de Janeiro, 2013
Desavisados das intenções esconsas e iludidos por imagens dinâmicas, nós, subalternos culturais, nos apaixonamos à primeira vista pelos projetos... Com sutis estímulos e módicas colaborações, legisladores locais aprovam flexíveis leis que criam Cepacs, moeda mágico-financeira para a venda de novos espaços construtivos nos mesmos lugares onde, antes, podia-se construir muito menos...
Assim, através da surpresa e da propaganda, surgiu no Rio o Porto “Maravilha”, um verdadeiro castelo de Cepacs... Propôs, como se fosse de todo bom, a construção de dezenas de prédios com até 50 andares. E também cortes profundos, de remoções teleféricas no antigo morro da Favela (“civilizado” com o nome de morro da Providência) ao bota-abaixo de vias urbanas, com implosivo destaque para o elevado da Perimetral, a ser substituído (sem ganho expressivo de mobilidade) por túneis e avenidas. 
Sempre a prioridade para o transporte individual (nada de Metrô na área), mais um dos excessos urbanos capitaneado pela dupla que, toda hora, “volta atrás”... Quem sabe, com a manifestação dos cariocas, não voltem atrás em relação à derrubada da Perimetral?...

Araribóia, fundador de Niterói e defensor do Rio de Janeiro:
em seu lugar podem ser construídos 2 prédios de 40 andares...

Pois, muito pior do que esta imitação (que sai cara) é a imitação barata que terá custo alto!... Do outro lado da baía, um seu (deles) pupilo tenta emplacar uma Operação Urbana Consorciada, a OUC-Centro de Niterói, uma versão do Porto “Maravilha”, adaptação de versão proposta ao governo anterior, que seria a salvação da pátria temiminó, a tribo de Araribóia...

O projeto, oferecido a vários candidatos a prefeito (antes da eleição de 2012) por construtoras nacionais (Odebrecht, OAS e Andrade Gutiérrez) e defendido por arquiteta formada em Barcelona, parece mais uma invasão extraterrestre...
Comparação entre a situação atual e o projeto da OUC Centro Niterói
Desconsidera o estímulo ao crescimento orgânico do Centro (como incentivos aos moradores e comerciantes locais), enquanto veste uma fantasia ambiental (jardins vagamente assemelhados ao Aterro do Flamengo, marina pública, vila comercial de pescadores). Quando vai ao ponto, introduz o que realmente doerá na pele (e na vida) dos niteroiense: a descarada criação de espaços de especulação imobiliária, da mais alta lucratividade para as empresas proponentes. Não casualmente, as maiores financiadoras das campanhas políticas de quase todos os candidatos da última eleição municipal, com destaque para o atual prefeito.
É grande a indiferença (como aconteceu, a princípio, no Rio), mas críticas coerentes logo surgiram, por entidades e profissionais ligados a questões urbanísticas e pelo Ministério Público (que foi à Justiça), todos pedindo, até que se faça a atualização do Plano Diretor da cidade (defasado há mais de 10 anos), a retirada do Projeto de Lei da Câmara dos Vereadores

Perfil previsto para o Centro de Niterói, visto da baía.

Projeção do Projeto OUC em Audiência Pública, Agosto/2013
Anúncio vende a vista e o prédio...

A proposta é de tal modo alienígena e invasiva que até setores do mercado imobiliário, como a Ademi local, juntaram-se aos protestos, quando não tentam outras formas de “escapar à invasão”...  Recentemente, foi posto à venda um prédio situado bem em frente à estação das barcas e o anúncio apregoa a vista que se tem “da janela para fora”. Uma evidente tentativa de se livrar de um futuro “mico”, porque o projeto da OUC permite, além dos mais de 15 (quinze) prédios de até 20 (vinte) andares entre o Caminho Niemeyer e a área antiga da cidade, a construção exatamente neste lugar (justo onde hoje está a estátua de Araribóia...) de dois prédios de até 40 andares!...  

Entre tantos (que a discussão promete ir longe), dois pontos podem ser destacados:
1) passam pelo Centro de Niterói cerca de 500.000 pessoas por dia, ou seja, tantas pessoas quanto são os habitantes de toda a cidade!...
Este projeto não desenvolverá o Centro de forma harmônica, orgânica, com a integração destas pessoas. A consequência mais geral, a médio prazo, será a expulsão de moradores e de comerciantes de baixa renda, o que chamam de “gentrificação”, entre outros malfeitos...
Para o Fórum UFF Cidades, é baseado na “atração do grande capital imobiliário, que expulsará a população e as atividades tradicionais”. Em seu lugar, a proposta, explicaRegina Bienenstein, da Arquitetura-UFF, é ampliar “a melhoria dos serviços urbanos; o estímulo ao aproveitamento dos imóveis vazios e subutilizados como moradia popular e de classe média; a organização do dinâmico comércio popular; a valorização do comércio já presente na área e o incentivo à recuperação do patrimônio edificado”;

2) o trecho do Caminho Niemeyer em frente ao Centro (construído em área parcialmente aterrada, há décadas, para fins de especulação imobiliária) realmente precisa ser valorizado.
Caminho Niemeyer - Teatro Popular - Junho/2013
A sua referência, ainda que vaga, é o Aterro do Flamengo, cujo projeto, sabiamente, dispensou prédios de muitos andares e em grande quantidade... Decisão que valorizou progressivamente as construções e os bairros circundantes, dando à cidade do Rio de Janeiro um espaço que a prestigia cultural e economicamente. Sem prédios gigantescos e com equipamentos de uso público, a OUC do Centro de Niterói poderá engrandecer a cidade (se seus governantes perceberam a riqueza desta opção), deixando de ser uma proposta meramente interesseira.

Em suma, a humanidade cresce e a cidades mudam, precisam mudar...
As cidades pertencem aos seus habitantes e todos, a cidade e as pessoas, devem crescer em consonância. Não podem ser tratadas como mercadorias, tendo como parâmetro apenas o dinheiro e o lucro de alguns.
Governantes que aceitam agir desta maneira, privilegiando interesses econômicos mesquinhos em troca de favores circunstanciais, estão roubando do cidadão e da cidade o seu futuro.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

A fragmentação das vias (e das vidas) no Rio de Janeiro Metropolitano



Na legislação brasileira há suficiente presença do conceito de “metrópole” como necessária forma de organização politico-administrativa dos grandes aglomerados urbanos. Muito bom, mas ainda estamos longe de resultados eficientes...

A característica fundamental desta recente condição metropolitana ainda é a fragmentação, dado obviamente inerente às metrópoles, que, conurbações induzidas por um grande centro urbano, desconsideram limites municipais.

A fragmentação pode ser interessante questão teórico-acadêmica, mas significa, na prática, para o cidadão, cruéis situações cotidianas. No Rio de Janeiro Metropolitano, o sofrimento na mobilidade urbana (termo da moda para “meios de transporte”) chega às raias do patético...

O lotação (e filhos) de Seu Oscar - Rio, 1952
Há, evidentemente, uma base histórica, que explica, por exemplo, a interrupção das linhas da atual SuperVia na chegada ao Centro da cidade, obra de uma época em que, na outra direção, a atual Zona Sul, não havia praticamente nada. Também é histórico o domínio das empresas de ônibus na oferta de transportes na cidade, desde os tempos em que agregaram os “lotações” particulares, e até meu pai teve um, nos anos 50... E é mais do que evidente o aumento do sofrimento dos usuários nas recentes décadas de capitalismo neoliberal, com a generalização das concessões de serviços de transporte público (barcas, trens, metrô...) às empresas privadas.

Colcha de retalhos, por D. Nylza
Os tempos passam, os lucros crescem... Hoje, no Grande Rio, a (i)mobilidade é uma colcha de retalhos, e é uma pena que não seja tão bonita como as que minha mãe fazia... Temos várias redes de transporte não integradas e rotas de viagem interrompidas por obstáculos, alguns reais, outros inventados por (des)interesses valiosos... São fragmentações que resultam em cortes na carne do povo. São extorsões, e não apenas do dinheiro, mas (mais cruelmente) do desgastado tempo do usuário...

Ponto de ônibus no Trevo das Forças Armadas
Um exemplo (quase aleatório, entre tantos) acontece a cada fim de tarde no Trevo das Forças Armadas, conjunto de viadutos por que passam fluxos de veículos de (e para) a Radial Oeste, a Av. Brasil e o Centro, onde termina o elevado da Av. Paulo de Frontin. Linhas de ônibus trazem trabalhadores da Zona Sul (via túnel Rebouças) para pontos nas estações São Cristóvão do Metrô e da SuperVia. Acabam servindo aos que precisam pegar ônibus na Av. Francisco Bicalho, em frente à antiga estação da Leopoldina, único jeito de acessar a Av. Brasil. 
Caminhada para pegar ônibus para Av. Brasil
Assim, todo fim de tarde e início de noite, sofridos passageiros, numa fila contínua, atravessam os abandonados jardins do trevo e cruzam perigosas avenidas para pegar, uns 600m além, seu segundo ônibus da jornada de volta ao lar...

Linha 2, entre Triagem e Maria da Graça
Apenas um detalhe, em um sistema de transporte repleto de “preconceitos sociais”. Este caso lembra que não há ônibus da Zona Sul para a Baixada... E também que o maior trecho do Metrô do Rio sem estações fica na Linha 2 (mais de 2km), entre Triagem e Maria da Graça, justamente onde encontramos duas das maiores favelas do Rio de Janeiro, Jacarezinho e Manguinhos. Ampliando para o conjunto dos municípios do Rio Metrópole, vemos situações irônicas como a interrupção da linha 2 do Metrô, no bairro de Pavuna, a alguns metros da divisa com São João de Meriti...

Por razões geográficas, a maior fragmentação da metrópole está na transposição da baía de Guanabara, uma considerável limitação física, radicalmente exacerbada pela organização (?) dos nossos transportes. Sobre este espaço os interesses da chamada “república empresarial” deram um dos seus mais lucrativos botes... Um intrincado (mas esperto) jogo de participações empresariais e benesses governamentais permite a um único grupo o domínio das ligações Rio-Niterói através da ponte e das barcas, o mesmo que assume agora o futuro VLT do Centro do Rio.

Enquanto isto, nos últimos anos, numa sucessão de más notícias, várias propostas foram sendo “esquecidas”. Recentemente, o ex-prefeito César Maia reconheceu as razões: “risco ao equilíbrio econômico” de concessionária, “interferência do cartel dos ônibus”...

Entre os principais prejuízos para a mobilidade, a perda (ou adiamento?):

a) do projeto de conclusão da Linha 2, entre Estácio e Carioca, seguido da sua transformação, via Central, em um “linhão”, estendido até a Barra, para maior desconforto do carioca;

b) do túnel submarino do Metrô entreRio e Niterói, proposto para ligar a Linha 2 à futura Linha 3 (Niterói-Itaboraí), com extensão de 5,5 km e custo estimado em cerca de R$ 900 milhões (menos que a reforma do Maracanã), uma conexão fundamental para a integração da Metrópole;

c) da própria construção da Linha 3 do Metrô... Até há pouco tida como certa (inclusive pelo estímulo da ativação do Comperj, em Itaboraí), já há indicações de que será substituída por uma Linha 3 em monotrilho...

O resultado destas decisões (sempre “econômicas”, em vários sentidos) é a cristalizações de novas e antigas fragmentações, com seus dramas populares...

De um lado, o Porto “Maravilha” do Rio de Janeiro (e já se prepara o de Niterói...), que se tornará uma ilha, não necessariamente de excelência... O VLT (um bonde fechado, para dar, de novo, ares europeus ao Rio) será mais útil a passeio do que a trabalho. E, como não há previsão de transporte de massa de qualidade para a área (apenas as velhas linhas de ônibus, nem o BRT...), quem vier de longe (por trem ou metrô) terá mais uma baldeação a fazer. 
É preciso passar uma nova linha de Metrô pelo Porto!... Se não, como alcançar a Gamboa-Maravilha ou a Saúde-Maravilha?... Todos com seu automóvel no engarrafamento e uma vaga de estacionamento reservada?... Para uma área que, até 2020, deve crescer de 22.000 para 100.000 habitantes, com potencial imobiliário de 50 bilhões de reais (embora haja dúvidas), o ideal é que uma nova linha de Metrô a atravesse.

Pça. XV, Rio: problema nas barcas... fila até o Paço Imperial
De outro, a não construção do túnel do metrô entre Rio e Niterói significa a manutenção de um dos mais cruéis gargalos da “mobilidade” na metrópole, além de velhos privilégios econômicos...

A massa de trabalhadores, que todo dia vai e volta de São Gonçalo ao Rio, continuará mudando de ônibus ou monotrilho para barca e de barcas para VLT ou ônibus, num lado ou outro. O custo em dinheiro até pode ser aliviado por cartões de integração, mas a fragmentação das vias continuará provocando dolorosa perda de tempo em suas vidas.
Niterói: movimento intenso no terminal de ônibus


Dinheiro, aqui, mais uma vez, é a chave... Faltando interesse no planejamento de longo prazo, a porta está fechada para a mobilidade, apesar de todo o dinheiro que circulará pela região metropolitana, com o pré-sal etc. 
E predominando  interesses empresariais parciais, com o imprescindível apoio dos governantes, o dinheiro continuará circulando em poucas mãos e mais portas ficarão fechadas para os cariocas...

segunda-feira, 18 de março de 2013

Niterói, a exemplo do Rio




Araribóia tem estado na maior escuridão...
De repente, sem mais nem menos, o impacto de uma notícia sobre grandes transformações em Niterói, publicada em coluna social do caderno “de bairro” de O Globo, em 17/03/2013:



Estado cede cinco prédios para Niterói revitalizar o Centro

Os prédios da Cedae, Emop, Detran e Ceasa, perto da Favela do Sabão, e o do Iaserj, avaliados em R$ 150 milhões, vão garantir o fundo de investimento que a prefeitura precisa criar para a parceria público privada com que pretende executar um projeto de revitalização do Centro. Os imóveis estão sendo cedidos a Niterói pelo governador Sérgio Cabral, e o prefeito Rodrigo Neves afirma que, com esses recursos e mais a participação das construtoras Odebrecht, Andrade Gutierrez e OAS, vai promover a requalificação urbana da área mais degradada da cidade. “Nosso objetivo é fazer ali voltar a ser um local de moradia, e não a vergonha que é hoje”, disse ele.
Trânsito e transporte serão priorizados
O projeto que vai ser tocado à semelhança do Porto Maravilha, no Rio, prevê uma nova hidroviária; novo terminal de ônibus e de metrô. A Estação Araribóia vai dar lugar a uma marina. Mergulhões na Marechal Deodoro e nos acessos à ponte vão melhorar o trânsito. As ruas ganharão um novo visual sem fios pendurados em postes. As redes de energia e de telefonia serão subterrâneas.”


É difícil acreditar que estas enormes construtoras estejam interessadas em recuperar, como “um local de moradia” (que não será para a classe A...), o Centro de Niterói. Moradia de gente comum é muito pouco para elas, as mesmas das maiores obras deste país, e sempre a fim de mais. E a “recuperação” do Centro de Niterói certamente vai ser voltada também para a expansão comercial, não apenas residencial.

Prédio residencial-comercial, quase padrão, no Centro de Niterói
Aliás, como é que estas construtoras já estão neste projeto?... Assim, sem qualquer licitação ou concorrência?... Sem que, ao menos, se saiba detalhes das propostas feitas pelos governantes?... Ou eles estão falando justamente do que elas, as construtoras, pretendem?... 

Mais uma vez (como em praticamente toda a série de projetos que vêm e vão transformando o Rio Metropolitano), vem a público ideia absolutamente pronta, certamente preparada, a contento, por construtoras cujos donos têm fácil acesso aos governantes, com quem até se divertem...

Curioso é que tão grande projeto apareça em pequena nota, em uma coluna social de caderno de bairro, ainda que de um grande jornal carioca... O padrão sugere uma tática de convencimento da opinião pública, a progressiva imposição de fazer com que a população “coma o mingau pelas beiradas”.

Trânsito cada vez mais pesado na baía da Guanabara
A nota é pequena, mas traz estranhezas... Por exemplo, a tal “hidroviária” será, supostamente, a nova estação das barcas, enquanto a atual se transforma em “marina”, dedicada, naturalmente, a outro tipo de público, uma espécie de estacionamento de barcos, como já propuseram na Praça XV, do outro lado. O pior não é o quanto ganham (e o usuário perde) com a mudança de local do embarque... 
Barca Rio-Niterói é apenas parte da viagem...
Significa, fundamentalmente, a oficialização do aborto da transposição da baía da Guanabara através de um túnel de metrô, projeto já centenário e plenamente viável pelas técnicas atuais. 


Nos projetos originais do Metrô para o Rio Metropolitano, consta a ligação (através de túnel sob a baía) da Linha 2 (a ser completada, com o trecho de Estácio à Praça XV, via Carioca) com a Linha 3 (Niterói-Itaboraí, no lugar da antiga ferrovia). Sabemos a quem interessa esta expansão: segundo pesquisas, 40% dos usuários das Barcas Rio-Niterói vêm de São Gonçalo para trabalhar no Rio. 
E a quem não interessa construir o túnel do Metrô sob a baía da Guanabara? Certamente, às empresas de ônibus, aos concessionários das Barcas e da Ponte, aos comerciantes do Centro de Niterói, aos políticos que lhes são próximos, e a quem mais?...

Vivemos numa República Empresarial e nela, depois de capturada a vontade quase indiferente dos eleitores, os que assumem o Estado estabelecem o jogo preparado pelos empresários.

Após a proposta do Estado mínimo, chegamos aos tempos do Estado útil. Neste Estado, tudo é negócio...
Atualizado em 19/03/13.