segunda-feira, 29 de outubro de 2018

A Esfinge do Brasil


          A figura que há poucas semanas "descobri", fotografei e divulguei, e que interpretei, a princípio, como sendo um "leão" ancorado em plena Baía da Guanabara, plantado pela Natureza, eis que percebo, de repente, agora, neste 29/10/2018, dia encharcado de ressaca eleitoral em todo o pais e de ressaca marítima no litoral carioca, eis que noto, ao circular pela Praia de Icaraí nesta manhã mais invernal do que primaveril, eis que me aparece não mais como um leão majestoso e inesperado, mas como uma esfinge (por segurança, talvez, com a cabeça disfarçada por uma máscara de leão), a própria Esfinge do Brasil.
Esfinge do Brasil - foto de Guina Araújo Ramos, 2018
          Sim, é uma forma de presença (a partir de então) mitológica, uma condensação imagética da perplexidade, racional ou não, consciente ou não, que dominou as mentes dos brasileiros ao final (ou afinal) e ao cabo (ou capitão) desta eleição nacional, com seu resultado associado à esfinge pela própria imprensa, eleição regulada a golpes de poder econômico e de subterfúgios psicológicos, a golpes impostos ao povo brasileiro por meios jurídicos e meios digitais, atos inconfessáveis por quem os praticou e incompreensíveis (mas eficientes) para quem os recebeu.
          Passo então a entender que esta pequena ilha do litoral de Niterói, a Ilha dos Cardos, já se apresentava todo este tempo, para mim e para os que a conheceram através do blog Arrepios Urbanos, ainda que de forma sutil, visualmente, como a Esfinge Brasileira, este ser inquestionável (porque é imaginário) que questiona (porque é necessário) o Brasil. E o faz não apenas propondo uma adivinhação que, como na tragédia grega, trata do crescimento, da maturidade e da morte do indivíduo, o brasileiro, mas perguntando ao próprio país, ao Brasil, este que somos, quem e o quê nós seremos no insondável futuro, aquele em que, continuamente, e em mais este dia, adentramos. 
         A percepção de que estamos diante da Esfinge do Brasil é concretizada, na imagem, pelo cenário, pela ambientação fotográfica, que se coloca como uma espécie de síntese do país. De um lado, a favela da Rua Tavares Bastos, na encosta que delimita o bairro do Catete. De outro, em destaque, o prédio da Praia do Flamengo 200, que abriga verdadeira síntese do país e do mundo, com escritórios de Consulados (Japão e Colômbia), de empresas transnacionais (tais como TBG, do gasoduto Brasil-Bolívia), de estatais brasileiras (em especial a FINEP, Financiadora de Estudos e Projetos nacionais). Entre estes extremos, tão "nossos", o cambiante mar de prédios que abrigam residências e negócios da nossa mais típica classe média.
        E esta imagem, como esfinge que se preza (assumindo, também, a terrível tarefa mitoliterária da esfinge grega), ficará para sempre ali (nesta foto e no meu simplório imaginário), como a Esfinge do Brasil E, como tal, estará sempre a fazer, para mim e para todos, ao menos até que eu me vá, uma singela pergunta antiga (ainda que a redação e o sentido possam variar, no tempo e no lugar): "afinal, que país é este?"...  
         Estará, então, esta Esfinge Brasileira a propor eternamente ao Brasil o cruel "decifra-me ou te devoro", o enigma de cuja solução dependemos para que possamos deixar para trás as velhas formas "religiosas" de aceitação desse destino estático que temos vivido.
         A visceral resposta final a esta pergunta, ultrapassado o perigo das dúvidas, será o sinal de que podemos chegar ao mais profundo conhecimento da nossa identidade.
         E isto, o fim do peso simbólico da Esfinge do Brasil na nossa história, nos redimirá, como Povo e como Nação.
        E nos levará à assunção (e à consequente construção) de um Brasil (desta vez, sem dúvida, sem tantas dúvidas) que será cada vez mais irmanado, mais justo e para sempre soberano.

domingo, 9 de setembro de 2018

Leão (ou Esfinge?), entre Niterói e Rio de Janeiro


            Quem convive com a Fotografia há décadas, como eu, ou mesmo os que de repente se deslumbram com ela (o que, neste mundo cada vez mais dinamicamente visual, não deixa de ser surpresa), sabe que o fotografar é também, em si, uma espécie de Literatura. A escrita “pela luz” é uma forma de “rever” as coisas que são vistas “normalmente” por aí. Assim como as melhores formas de escrita (todas as que possam ser, genericamente, literárias) as fotografias também sabem muito bem relatar, de forma distinta, não usual, inusitada, quiçá estranha, aquelas contingências da vida que, no geral, são tidas como “normais”. Em suma, nossos cérebros recriam imagens, as nossas mentes criam conotações e, afinal, pelas linguagens da arte, saímos do trivial e atingimos outras esferas de compreensão das coisas.

Leão ou Esfinge, entre Niterói e Rio de Janeiro - foto Guina Araújo Ramos, 2018


            São tais coisas, a foto intrigante, o texto que impressiona, entre outras muitas experiências artísticas humanas, as que nos causam arrepios, que marcam, que nos afetam e que, por isso, merecem registro. Daí, há arrepios dos mais variados, e quem sou para fazer algum tipo de classificação?... Apenas posso dizer que andei tratando, neste Arrepios Urbanos, de algumas aflições que acomete(ra)m os habitantes da metrópole Rio de Janeiro, mas só o fiz do ponto de vista das vítimas e não dos beneficiados, sempre mais próximo das denúncias do que dos louvores. 

Leão (ou Esfinge?), Ilha da Boa Viagem e MAC (ao fundo: Praia do Flamengo, Sumaré e Pico da Tijuca) 
- foto Guina Araújo Ramos, 2018

Não quer dizer que eu não compreenda que prazeres também causam arrepios...  E este preâmbulo serve de mote, então, para registrar a sensação prazerosa de que fui acometido ao perceber, à minha volta (ou, necessariamente, à minha frente!...) uma imagem que, fotografada de maneira assim literária, pode até mesmo ser considerada uma nova atração turística do Rio de Janeiro, em especial de Niterói: um leão (ou esfinge?) em plena baía da Guanabara! 


Leão (ou Esfinge?) fora da rota das barcas - Guina Araújo Ramos, 2018
            Um leão ou esfinge talvez sazonal, provisório... Não sei quanto tempo vai durar. Talvez até precise da ajuda (faz parte de um parque natural municipal) dos serviços de conservação ou de turismo de Niterói, que o leão/esfinge fica no seu litoral, e é uma ilha próxima da Ilha da Boa Viagem e do MAC, a Ilha dos Cardos, e talvez seja, pela postura indiferente mas imponente, mais do que um Leão, a própria "Esfinge do Brasil"! 

Confesso que não fazia a mínima ideia da identidade desta pequena ilha e, muito menos sabia, depois que a reconheci no mapa, o que eram estes tais cardos... 

Leão (ou Esfinge?)entre pescadores e banhista - Guina Araújo Ramos, 2018

Leão (ou Esfinge?), da praia de Icaraí - 
Guina Araújo Ramos, 2018
Agora sei, e resolvi tomar cuidado com eles: são plantas de belas flores, mas de perigosos espinhos... Cardos (há vários) têm história: são plantas medicinais, usadas para fabricar queijo, e, pelos espinhos, tanto são um símbolo de sofrimento espiritual quanto a planta-símbolo da Escócia!



A ilha está lá desde sempre, os cardos também devem estar (não fui conferir), mas o tal leão (ou esfinge) existe agora, só não sei há quanto, e nem por quanto, tempo. 
E a figura só parece um leão (ou esfinge?) porque na ilha, além de seu amontoado de rochas, apareceu um grupo de arbustos, de tal jeito que, em certos ângulos, como se apresentam nas fotos, eles compõem uma juba, uma face, até mesmo o focinho do leão ou a cara da esfinge. 


Leão (ou Esfinge?) a ver navios - Guina Araújo Ramos, 2018

            E, se falo de ângulo, informo logo de qual ponto de vista o leão (ou esfinge) existe...  

É necessário que no momento da foto se esteja em Niterói e, mais precisamente, no calçadão da praia de Icaraí. A área de abrangência da aparição até que é razoável, uns três quarteirões, mais ou menos da rua Lopes Trovão, no centro da praia, à praça Getúlio Vargas, perto da Reitoria da Universidade Federal Fluminense. Nesse correr da vista, a figura vai se alterando e, fora disto, se deforma, perde a forma de leão (ou de esfinge). 


Leão (ou Esfinge?), Corcovado e avião - Guina Araújo Ramos, 2018
É fácil de ser visto, quase que basta apertar bem os olhos. Pode ser fotografado, no geral, com qualquer máquina fotográfica ou celular. 
Mas, registrar bem o leão (ou esfinge), para que não fique apenas como um vago ponto à distância, pede que o pretenso caçador do leão (ou da esfinge) marítimo(a), e quase carioca, use uma câmera fotográfica que disponha de zoom potente ou que aceite (e que se tenha...) lente de, no mínimo, 200mm (utilizando a antiga referência dos filmes 35mm). Creio mesmo, pela experiência (não pela prática atual, que já me aposentei desses equipamentos volumosos), que uma 300mm é a lente ideal para um enquadramento um pouco mais íntimo... 

E que não demore a fazê-lo, pois nenhuma configuração dura para sempre, nem leão (uma esfinge, talvez), nem imagem de leão ou de esfinge, sequer uma ilhota, um bloco de pedras coberto de plantas, uma árvore e nem, certamente, os cardos.

Tomara que os cardos (ou seja lá quais forem as suas plantas) resistam ao clima, e que as ressacas aliviem a barra da ilha, e que, para sempre sobranceiro, o “Leão dos Cardos”, ou o “Leão do Ingá”, ou o “Leão de Niterói”, ou o “Leão da Guanabara”, algo assim, talvez mesmo a "Esfinge do Brasil", dure bastante à frente das lentes do povo, viralize como celebridade nas redes sociais, faça mesmo o maior sucesso nas mídias.
É melhor mesmo, porque se não, se o bicho ilhado não passar desta primavera [detalhe: após um ano da descoberta, ainda está lá], se o animal visual for escalpelado pelos ventos, se a quimera geográfica cair desmontada pelas intempéries, aí, fico eu pensando, já não sei se não vão dizer, alguém até desdenhará, falar que, afinal, o tal leão ou a tal esfinge da foto do Guina não estava mesmo com nada, que foi um grande fiasco de imagem, que não passava de fake news cenográfica e/ou que, sequer, o tal leão (e talvez nem a esfinge) existia...

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Adendo à questão da percepção do Leão (ou da Esfinge)  


Localização e pontos de vista
O local mais próximo para fotografar a Ilha dos Cardos é o tabuleiro onde o MAC foi construído. A desvantagem é que o fotógrafo se coloca em um ângulo muito superior, praticamente tirando da imagem a localização da ilha.
Ilha dos Cardos e Pão de Açúcar - Guina Araújo Ramos, 2018
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Mais usual é a foto feita a partir da Praia das Flechas (oficialmente, Praia João Caetano), no trecho que vai da Rua Itapuca à Praça do Ingá (ou Praça César Tinoco). 
Coincidentemente, neste ponto de vista entra um valioso elemento visual na imagem, o Pão de Açúcar, além do ganho de perspectiva, um pouco adiante, com a inclusão do MAC e da Ilha da Boa Viagem. 
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Uma boa foto!... Pode-se facilmente distinguir o ressalto de pedra chamado de Cadeira do Imperador, o detalhe à direita na ilha, um apelido certamente antigo...
Pena que, deste ângulo, o Leão ou Esfinge) desapareça! 
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Ilhas do Cardo, do Índio e de Itapuca - Guina Araújo Ramos, 2018
Ocorre que, vindo do Ingá, na direção da Praça Getúlio Vargas (onde fica a reitoria da UFF), com a mudança progressiva do ângulo de visão, a percepção de uma imagem de leão (ou de esfinge) formada pela Ilha dos Cardos vai se esvanecendo. 
Neste trecho, o que se vê é uma simples rocha no meio do mar, cercada de pedras e parcialmente coberta de plantas, não sei se de cardos... 
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Leão (ou Esfinge?) "invisível" - Guina Araújo Ramos, 2018
Cabe lembrar, ainda, que, sendo Leão ou Esfinge, também se torna “invisível” para quem, passando pelo primeiro trecho da Praia de Icaraí, ultrapassa a esquina da Rua Lopes Trovão. 
Além da perda da perspectiva, que permite ver a formação da imagem de leão ou de esfinge, a própria Ilha dos Cardos passa a ser confundida com o corpo insular maior que se apresenta ao fundo, a Ilha da Boa Viagem.

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[Atualizado em 27/04/2023]