segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Falso espelho, o aço que fere a cidade



Há tempos, quando alguém, como se fosse o dono do mundo, se colocava à frente de todos, era chamado de “espelho sem aço”... Uma ironia: nosso corpo, como o aço do espelho, interrompe a passagem da imagem. Pois, hoje vemos vidro e aço, criando um falso espelho, iludir, com sua imagem, o Rio de Janeiro...
Prédios dominam sobrado na rua da Relação. Ao fundo, a igreja de Santo Antonio.
A primeira coisa que impressiona nestes prédios é a sua superfície completamente lisa e refletora, um espelho do céu... Absolutamente neutra, completamente inorgânica, cria violento contraste com a superfície multifacetada, detalhada, praticamente rococó dos prédios à sua volta. Entre os dois, grandes avanços tecnológicos que, para o ser humano, mudaram referências de distância e tempo. E entre os prédios e a cidade, a barreira intransponível do vidro espelhado, brilhante, metalizado, uma lâmina de aço que corta o contato.

Ao longe, torres da Central e dos Bombeiros,
marcos superados da cidade...

Fica a sensação de que prédios deste tamanho estão completamente fora da escala humana... No sobrado, você vê a pessoa no segundo andar, pode chamá-la de fora, tem uma proximidade até aconchegante. Quando se tem pela frente vidros espelhados, alturas inacessíveis, pesados sistemas de segurança, há aí uma fronteira que expõe a divisão da sociedade entre os que dominam e os que apenas passam...

Por mais que seja vendida como ecológica e sustentável, esta nova arquitetura não humaniza a cidade.muito lucro nas internas: o prejuízo (social) é transferido para o entorno... O fato de que a construtora se comprometeu a reformar 25 prédios das redondezas, por si só demonstra que, para a sociedade, os seus ganhos são discutíveis.


Igreja de Santo Antonio dos Pobres,
na esquina do terreno dos prédios.
Adensar a ocupação da cidade com novas construções, fazer com que áreas antigas ganhem novos moradores e voltem a ser ricas em convivência humana... Será o caso destes grandes prédios comerciais subindo entre antigos sobrados?... A dona da loja em frente à igreja de Santo Antonio, na rua dos Inválidos, à espera de funcionários endinheirados, é otimista: “Vai ser ótimo para nós”. E quando forem embora, de noite, quem ficará?... No lugar da população que um dia morou nesta área, quem (além dos seguranças do conjunto de prédios) frequentará estas ruas?...

O Centro Empresarial Senado (projetado para ser alugado à Petrobras) tem opções duvidosasSe pode ser uma boa invenção incluir um “piscinão”, construído na rua dos Inválidos, para absorver água da chuva e evitar o alagamento da área, o projeto não inova nem um pouco na questão da mobilidade... O esforço de construir cinco andares subterrâneos de garagem (o que quase custa o desmoronamento da igreja de Santo Antônio dos Pobres) é coisa para rico... Na prática, atrairá até 1.700 carros por dia (talvez se deva ao fato da Petrobras vender gasolina...) para ruas antigas que, quando não são alagadas, costumam ficar congestionadas.

Sobrados da rua do Senado, no quarteirão anterior.
(notar a pessoa no 3º. andar e o trânsito pesado)

Os grupos que estão no poder procuram impor o futuro à cidade. Políticos apresentam obras propostas por empresas como grandes projetos de governo. Os interesses são consumados, as imposições consumidas... Será este o padrão a ser implantado no "Porto Maravilha", com seus muitos "prédios de 50 andares"?... Se não prevêem a passagem do Metrô pelo Porto, apenas pistas para carros, quantos andares de garagem serão construídos?...

Trecho do Metrô Linha 2 ainda não construído,
com a localização dos prédios. (Google Map)

Que estes excessos atuais tragam, ao menos, uma obra necessária: a conclusão da Linha 2 do Metrô, o trecho previsto para ligar o Estácio à Carioca, com estações no Catumbi (ou Sambódromo) e Praça da Cruz Vermelha, para futura travessia da baía da Guanabara em túnel e ligação à Linha 3, que começa em Niterói.
E que tragam também bom senso aos novos projetos urbanos, para que o carioca possa se ver no espelho da sua cidade.

Fotos Aguinaldo Ramos, 2012

6 comentários:

  1. Guina, esses prédios espelhados espalharam-se pelo país que nem praga bíblica. Acho um horror. Concordo que um piscinão para drenar aquela área crítica na época de chuvas é bem mais importante pra cidade do que fazer imensas garagens subterrâneas (cujos danos aos vizinhos estão apenas começando, pode crer). ,

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  2. Guina,gostei da metáfora,aliás há muito tempo eu não ouvia essa expressão "espelho sem aço". A nossa cidade está mesmo virando um grande "espelho sem aço" onde ninguém mais se reconhece, onde não enxergamos mais as nossas recordações, as nossa lembranças...Pior, que isso é só o começo.

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  3. É, vem mesmo mais do mesmo por aí...
    Vejam só o que a vereadora Sonia Rabello informou sobre os tais "muitos prédios de 50 andares", há tempos alardeados para a área do Porto: http://www.soniarabello.com.br/perimetral-ou-trump-towers-3/

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  4. Gostei muito, Guina, vi tudo.
    Especialmente que vc voltou a fotografar!
    Abração,
    Zeca Guimarães.

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  5. Seguinte: a arquitetura deixa a desejar.
    Esses prédios espelhados
    são um perigo para os pássaros (sério!)
    Tem um no Jardim Botânico que é problema, o pássaro perde a noção do que é espaço e do que é espaço espelhado e bate no vidro.
    Uma senhora relatou há algum tempo que recolheu alguns mortos devido ao choque com o vidro.

    Abraço, Marcos Cunha.
    [via e-mail]

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