Niterói é o que se vê no universo do noticiário: uma cascata.
Favela Castro Alves, Fonseca, 2018 |
Apesar da falsa capa da prosperidade que lhe é dada pelo dinheiro desperdiçado dos royalties do petróleo, Niterói é uma cidade com alto grau de desigualdade, basta sair da beira das praias... A grande maioria dos habitantes de Niterói precisa de serviços públicos de qualidade e de que lhe atendam os direitos básicos, em educação, saúde, habitação, e não da cooptação visando resultados eleitorais nem de obras de "embelezamento" superficial.
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Segregação racial: EUA x Brasil |
O Mapa Interativo de Distribuição Racial no Brasil (baseado nas autodeclarações do Censo) mostra, nessa questão, em Niterói, diferenciações geográficas radicais (população branca, em azul; negros e pardos, em amarelo e verde). Há áreas com população quase 100% branca, com Ingá, Icaraí e São Francisco em destaque, e há trechos de predominância total de negros e pardos, que correspondem aos morros cobertos por favelas, com destaque para o Cavalão, exatamente ao lado de Icaraí, e ao morro do Estado, entre o Centro e Icaraí.
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Mapa racial de Niterói - IBGE, 2010 |
Esta geografia sócio racial é mortal, pelo menos para os negros e favelados. O jornal El País apresenta o drama numa matéria sobre a segregação racial na cidade, e os dados são cruéis: “Em Niterói, 60% de todas as mortes violentas ocorridas em 2019 foram cometidas por agentes policiais do Estado do Rio. De todas as vítimas da polícia, 88% eram negras, de acordo com os dados do Instituto de Segurança Pública analisados pela Casa Fluminense. O percentual chega a ser maior que em todo o Brasil (75,4%), na região metropolitana do Rio (79%) e na capital Rio de Janeiro (81%). Em números absolutos: a polícia matou 125 pessoas no ano passado em Niterói; 110 eram negras.”
Ainda assim, há quem pense que, comparado ao Rio de
Janeiro, Niterói seja uma "cidade-sorriso", como diz a propaganda da prefeitura.
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Casa de pau a pique, Morro do Arroz - Niterói, 2016 |
Simplesmente continuam vivendo do mesmo jeito que viviam nos anos 1980. Ainda há casas de pau a pique no morro do Arroz, favela do complexo do Morro do Estado, a pouco mais de um quilômetro da sede da Prefeitura, tanto por dificuldade de acesso de material de construção pela estreita escada disponível, e também por mera pobreza.
Casa e trabalho - Jardim Icaraí, 2019 (do blog Brasil na Miséria) |
Prédio do Conjunto Zilda Arns, 2016 |
E os que restaram não estão em condições muito melhores...
Niterói, com o tempo, talvez se transforme em uma
onda...
Uma onda que virá lá do fundo do território, do chão inseguro do município, da base de um oceano de gente, uma onda que virá com toda força porque virá de um povo comprimido, uma onda que crescerá e tomará fôlego nos bairros intermediários, pela consciência que a classe média ganha enquanto se muda de residências agradáveis para prédios encaixotados, e daí essa onda crescerá até a crista poderosa que se coloca frente à baía, e é aí que se verá a espuma poluída dos poderosos, da elite que se auto-privilegiou ao tirar os ganhos do trabalho que vem do povo, uma crista que se tornou uma crosta, pela posição desequilibrada que assumiu na sociedade, e cairá desta crista em estrondosa derrota de ideias, de vontades e de poderes.
Casarão da Pres. Domiciano (esquina de R. Antônio Parreiras) - São Domingos. |
Niterói não será para sempre um relicário de joias arquitetônicas que iludem a percepção do que se tem a ver.
Niterói terá que se tornar mais justa, tão rápido quanto possível, ou não resistirá às contradições que ela própria cria.
É amargo o sorriso dessa cidade: Niterói sorri enquanto mata.
[Fotos e texto: Guina Araújo Ramos]
Atualizado em 01/08/2021.