Pedra portuguesa solta - Niterói, RJ, 2012 |
É um piso de pedra trabalhoso, formado pelas menores pedras
que a experiência humana aceita para este tipo de uso público. E é também uma
alegoria ao esforço coletivo, que vem desde o batente dos operários em sua
cadeia produtiva até o efeito final de cobertura de amplos espaços pela multiplicação de minúsculas
peças.
Pedra portuguesa, peso de jornais - Botafogo, Rio, 2012 |
As pedras portuguesas sugerem o destino humano: no coletivo, em igualdade de condições, respeitadas e valorizadas as diferenças, são/somos pura arte.
Mas, quando se colocam acima do outros ou invadem os espaços alheios, a menos que possam ser úteis ao geral, só criam perigos e problemas.
Alguém terá escrito a História das Calçadas, ou dos Pisos, ou dos Passeios (eu não ousaria...), mas é certo que houve e há pisos de pedras maiores, irregulares ou não.
Pisos de pedras: o pós-moderno e o colonial - Paço Imperial, Rio, 2012 |
Dois deles, por exemplo, se encontram no entorno do Paço Imperial, no Rio de Janeiro: as pedras de cantaria da época da construção do prédio, certamente batidas por escravos dos tempos coloniais, e as pedras cortadas em máquinas industriais, num arranjo recente que sugere algum improviso, mas pode ser um novo padrão urbanístico local.
Não longe dali, na sempre redescoberta Pequena África, a História, mais uma vez, mostra que há pedras sob os seus pesados pés.
As obras de reurbanização do porto do Rio de Janeiro trouxeram à superfície, no mesmo espaço, duas diferentes calçadas neste antigo porto da cidade: as pedras do Cais do Valongo, que foi, por décadas (1750-1831), um local de chegada de escravos africanos, os "pretos novos", e, pouco acima, as pedras que o esconderam e sublimaram, as do Cais da Imperatriz, construído em 1843 sob o pretexto de receber a nova imperatriz do Brasil, D. Teresa Cristina, vinda de Nápoles, esposa por procuração de D. Pedro II.
Pisos do Cais do Valongo e do Cais da Imperatriz - Rio, 2012 |
Pelas pedras irregulares do piso mais baixo, quase se pode imaginar a presença dos pés descalços, dos corpos feridos de escravos recém chegados...
Pelas pedras arrumadinhas do poder imperial, um nível acima, pode-se sonhar com pés almofadados em sapatinhos de cristal, aquecidos por meias bordadas, que as pisaram levemente...
Há mesmo uma pedra no caminho?...
Há, é claro: o ser humano sempre tropeça nas coisas!...
E também estamos no caminho das pedras: não há pedaço do mundo a salvo da empedernida vocação (e do poder) de destruição do ser humano.
Parece que, afinal, lá pelo final dos nossos tempos, o
monumento que nós, os humanos, o terror das espécies, deixaremos no nosso exaurido planeta será
exatamente aquele da canção e da História do povo brasileiro: as pedras que pisamos.
O Cais do Valongo foi declarado pela UNESCO,
a partir de proposta do IPHAN, em 2017,
"Patrimônio Histórico da Humanidade".
Um ano depois, abandonado pela Prefeitura,
corria risco de perder o título.
Neste 5 de Novembro de 2018,
foi tombado pelo Estado do Rio de Janeiro
como parte do seu patrimônio histórico e cultural
.
[Atualizado em 07/11/2018]
Meu chapa, você realmente é muito bom. Gostei muito dos três blogs. Muito conteúdo de primeira qualidade e um visual muito bacana.
ResponderExcluirJulio Santos
http://www.AmbienteEnergia.com.br
Muito procedentes as observações sobre as calçadas em pedras portuguesas feitas pelo blog Caos Carioca, em http://www.caoscarioca.com.br/2012/pedras-portuguesas-a-bonitinha-ordinaria/comment-page-1/#comment-4359
ResponderExcluirNossa, #tudodebom, especialmente o dos arrepios, que foi o qual mais me identifiquei.
ResponderExcluirBeijos e sussa :P
Vany Laubé
http://www.maismosaico.com.br/
Arrepios, Guina! Excelente sua crítica-crônica que nos leva a um outro tempo. Gosto muito do seu estilo, saboroso, e deste modo você fica mais perto do leitor. Parabéns, você tem sempre o que dizer no meio de tanta abobrinha.
ResponderExcluirBeijo, querido!
Monique
Belo texto, belas fotos!!! Gostei das fotos do cotidiano emaranhadas com texto poético e revelador. Parabéns!!!
ResponderExcluirBeijos
Márcia Hortência
Excelente texto, Guina! À altura das fotos. Parabéns.
ResponderExcluirExcelente, fiquei emocionada
ResponderExcluirAgradeço a aula
Comentários após republicação no Facebook (07/2024):
ResponderExcluirCesar Cardoso: "Salve, Guina, tudo bem, meu amigo? Essa tua história das Pedras é realmente de arrepiar. Obrigado por esse texto sensacional. Vou repostar. Abração." Resposta: "Uau, se é você, que sabe o caminho das pedras das letras, quem o diz, quem se arrepia sou eu!"
Sérgio Gomes: "Fundação Roberto Marinho e a IDG descobriram na gestão de patrimônio cultural uma galinha de ovos de ouro."
Claudia Madureira: "Em Copacabana, no pior dos projetos do "Rio Cidade", com a desculpa de que as pedras portuguesas faziam os idosos escorregarem e tropeçarem, fez-se um horror, uma lambança horrenda, que dá asco e faz cair do mesmo jeito. Pobre Copacabana, onde todos os grandes espetáculos se abrigam e que o poder público fez virar uma imensa favela. Detalhe: o bairro abriga a maior concentração de hotéis da cidade do Rio. Lamentável."
Fiora Serafini: "Grande Guina, amigo querido, artista engajado, hoje nos "atira" com pedras para abrir nossas cabeças e ver a história que está a nossos pés, triste, cruel, escravagista, para que não voltemos a viver essas realidades neste presente e muito menos no futuro que estamos a construir."